sexta-feira, 22 de março de 2019

Miniaturas Orientais na David Collection, Copenhagen

A David Collection em Copenhagen é um museu dedicado à coleção de arte de C.L.David (1868-1960) que contém uma expressiva quantidade de itens orientais e Islâmicos, sendo uma das mais importantes em toda a Europa. O prédio, a antiga residência do colecionista, ficou fechado entre 2006 e 2009 quando passou por uma reforma extensiva.


Dentro da coleção destaca-se um grande número de miniaturas persas e indianas


https://en.wikipedia.org/wiki/Fath-Ali_Shah_Qajar

retrato do Shah Fath Ali Shah Qajar, o segundo Shah do Iran (1772-1834), executada por Ahmad, pupilo de Mihr Ali.




"O Julgamento de Salomão", por Shaykh Abbasi, Isfahan, Iran, 1664
21,6 x 14,9 cm






 "Sita se Esconde de Hanuman, Acreditando que é Ravana Disfarçada", 1594
estilo Mughal, mostrando um trecho do Ramayana




"Principe Com Sua Amante", 1740, Jaipur, Índia, 23,4 x 17.8 cm, estilo Mughal


 

 Miniatura do artista contemporâneo Bulalal Marotia, Jaipur, India



 O PERÍODO INGLÊS ou ESTILO DA COMPANHIA




Estudo Botânico comissionado por Lady Mary Impey, cerca de 1780, Bengal, Índia





Os Cadernos dos Irmãos Fraser 

O escocês William Fraser (1784 - 1835), foi assistente do General David Ochterlony, e em sua estada na Índia, junto a seu irmão James, contratou ilustradores para compor um caderno revisitando o estilo Mughal, talvez influenciado pelo estilo Romantico europeu.


"Um Grupo de Recrutas Para o Regimento Equestre de Skinner", Delhi, Índia, 1815
23x 37,8 cm




"Kala com o Sabre Empunhado", Delhi, Índia, 1815




 "Kala em Uniforme", Delhi, Índia, 1815

Kala foi serviçal de William Fraser e aparece nas ilustrações com e sem seu uniforme de regimento no Esquadrão Equestre de James Skinner. Apesar de muitos desenhos do caderno serem assinador por Ghulan Ali Khan, os desenhos que mostram Kala não são assinados.




sábado, 16 de março de 2019

O Enigma Atrás da Porta




Étand Donnés, Marcel Duchamp at Philadelphia Museum of Art


O enigma atrás da porta
Regina Silveira

publicado no jornal Folha de São Paulo, em Julho de 2018

Apesar de nos 70 já ter uma pratica artística que devia bastante ao legado neo-dadaista - como podiam ser minhas explorações de uma nova reprodutibilidade e as trocas em circuitos globais de mail art, só pude conhecer mais a fundo a obra de Marcel Duchamp e sua contribuição à arte contemporânea na segunda metade daquela década, quando cursei disciplinas ministradas por Walter Zanini, no curso de Mestrado da ECA USP. Zanini foi, sem dúvida, nosso maior especialista em Duchamp, entendia muito bem seus conceitos e estratégias, enquanto proposital e sabiamente deixava muitas interpretações em aberto... Enfim, foi quando fiquei naturalmente alinhada com a obra do artista, por admiração e muita curiosidade.

Naqueles anos, o mais importante e influente foi, com certeza, descobrir em Duchamp sua atitude paródica, para com a ciência e com a própria arte do passado, que ele resgatava de modo muito particular. De um lado, podia apreciar seu uso irônico da histórica Perspectiva Linear com ponto de vista único –e o papel que lhe atribuía, quando dizia que a Perspectiva devolveria à pintura a inteligência que ela havia perdido; de outro lado, aprendia com seu engajamento- também paródico- no lado mágico e quase alucinatório das anamorfoses e fantasmagorias maneiristas, um imaginário que misturava com narrativas alegóricas, maquinarias simbólicos e experimentos ópticos. Grandes lições!

Mas a obra de Duchamp que sempre se manteve mais viva e ativa em minha imaginação é o seu ultimo trabalho, o Etant Donnes, aquela assamblage animada por um pequeno motor escondido, que realizou minuciosamente e em silêncio, por cerca de 20 anos (de 1946 a 1966) e hoje possível de ser visitada no Museu de Philadelphia, onde foi remontada depois de sua morte, em 1968.



Fiz mais de uma viagem a este museu, especialmente para visitá-la, no espaço reservado a coleção de obras do artista. Na primeira vez, em 1988, queria sobretudo vê-la ao lado do Grande Vidro, e poder apreciar em ambas obras- verdadeiros compêndios duchampianos- as diferenças na tomada do tema recorrente da Noiva despida pelos Solteiros... Mas minha motivação maior era decifrar aquele enigma escondido atrás da porta de madeira: o Etant Donnes: 1- La Chutte dÉau: 2-Le Gaz dÉclairage, cujo titulo, irônico, remetia à formulação de um teorema matemático...



O Grande Vidro, Marcel Duchamp


Já sabia por reproduções e descrições, que a obra poderia ser vista apenas por dois orifícios, feitos à altura dos olhos dos prováveis espectadores/voyeurs, numa velha porta de madeira, de estilo espanhol rural. Nos orifícios veria uma cena ilusionista- no seu sentido primeiro, de passar por verdade e substituto do mundo visual- em que uma figura feminina, despida e estranhamente real, com uma luminária acesa na mão, está caída sobre a vegetação rasteira do primeiro plano de uma paisagem .Ao fundo e dentro da paisagem, seria importante constatar os dois elementos que apontam, no titulo , aos componentes principais da obra: o lampião de gás na mão da figura despida e ao fundo da paisagem, a cascata diminuta, em discreto movimento luminoso.

Antes de ver ao vivo a assamblage de Duchamp, havia lido que John Cage, em entrevista a Alain Jouffroy (publicada na revista Opus Internacional, em 1974, p. 60) revelava que a cuidadosa distribuição dos elementos da cena vista pelos orifícios da porta espanhola havia sido feita sobre um chão revestido com um padrão quadriculado , similar a um tabuleiro de xadrez- o que avançava a suposição de uma elaborada construção perspectivista, na qual o espectador deve ocupar num ponto de vista especifico (os orifícios) como condição da ilusão tridimensional. Duchamp certamente conhecia os gabinetes perspectivistas, essas pequenas caixas óticas, realizadas por artistas dos Países Baixos ao longo do sec. 17, com seus interiores arquitetônicos pintados com forte distorção da perspectiva, nas quais o chão, invariavelmente quadriculado, tinha a função de dimensionar a profundidade e as distorções que o ponto de vista único- concretizado como furinho nas paredes da caixa-devia corrigir. O próprio artista menciona os tratados dos perspectivistas aos quais teria tido acesso quando foi estagiário da biblioteca Sainte Genevieve, como repertórios e recursos que mais tarde aplicaria às suas Opticeries.

Mas quando finalmente tive acesso aos furinhos da porta, não consegui ver o chão quadriculado, escondido pelos elementos construídos encima dele. ao que parece em Etant Donnes a quadricula invisível teria sido apenas um recurso pratico para localizar as partes- Até então eu confiava na quadricula como estratégia quase única para obter uma perspectiva opticamente corrigida que, por sua vez, explicaria a intensidade daquela ilusão. Entretanto, sua aparente desconexão com o ponto de vista terminou por derrubar minha interpretação pré-fabricada : Etant Donnes não devia nada a correções de Perspectiva ...

Olhando a cena, meu impacto maior vinha agora de outro dado: aquela nitidez absurda, sob iluminação focada e quase excessiva –Etant Donnes era uma hiper realidade! Com esta nova percepção da obra comecei a pensar que aquilo que via não era a cena montada diretamente atrás da porta, mas seu reflexo concentrado num espelho- ou jogo de espelhos- sabiamente colocados por Duchamp. Só espelhos podem oferecer essas imagens tão condensadas e com este grau de nitidez! agora precisava descobrir onde Duchamp teria colocado os espelhos...

A ajuda para sair deste labirinto de interpretações, veio com a informação de que estava a venda ao publico, na lojinha do museu, o caderno de anotações do artista, para a montagem e a desmontagem do Etant Donnes :um arquivo de folhas soltas com instruções minuciosas escritas a mão, fotos e maquete de papelão, que o Museu de Philadelphia editou como fac-símile, 15 anos depois da integração da obra à coleção, conforme havia acordado com o artista.

      

anotações de Marcel Duchamp


O manual de instruções, que conservo com cuidado, é apenas técnico: ensina detalhadamente como montar e desmontar a obra, e descreve todos os seus componentes. mas não traz qualquer item que aluda às intenções e escolhas do artista. Nem preciso dizer o quanto procurei , em todas as suas paginas, os detalhes que antes haviam movido a minha curiosidade. Por certo encontrei fotos do chão quadriculado, com as devidas marcas para pousar os pês da a mesa que levava encima o nu com a paisagem iluminada. Mas por mais que procurasse não encontrei qualquer imagem ou menção aos supostos espelhos- e mais: vendo como o conjunto da construção se conectava com a porta, soube que não fazia qualquer sentido eu ficar pensando em reflexos e fantasmagorias...

Mesmo sem pistas para interpretação, este manual mudou totalmente o foco na minha relação com a obra, pela simples revelação da incrível parafernália precária que Duchamp juntou atrás da porta de madeira.

Imediatamente fiquei tomada pelas estratégias envolvidas nos fakes cuidadosamente elaborados pelo artista, todos registrados em fotos : o fundo da paisagem – fotográfica- se acopla num céu que é um pedaço de vidro onde ele colou nuvens de algodão, e a galharia seca presa junto as pernas da figura despida do primeiro plano, para ajudar a ilusão de volume e profundidade do campo visual. Também nas fotos se descobre a magica da cascata: não só seu movimento é gerado pelo motorzinho preso na parte de trás da mesa, seu falso brilho esta controlado pela inclinação de uma barra que aguenta uma velha caixa de biscoitos...O manual também mostra detalhes como se amarrou a peruca ruiva no fragmento de manequim e como dirigir a intensidade das pequenas luminárias colocadas em traves de madeira.

Similar a um pequeno teatro, a fantástica construção precária atrás da porta conta ate com cortinas- uma branca e outra preta- para garantir que toda a intensidade luminosa fique concentrada na figura nua, o pivô de um acontecimento fictício que nunca parei de imaginar...

Esta trucagem toda, magicamente montada, conseguiu de uma vez por todas deslocar meu foco de interesse nesta obra, antes apoiado no provável uso de dispositivos óticos, para a própria narrativa alegórica, aberta, surpreendente e complexa, que chega ao seu olho como uma fantasmagoria hiper real. Pude entender melhor a sua relação com o Grande Vidro, e consigo ver as ancoras desta narrativa em muitas de suas obras anteriores...- Etant Donnes é de fato um tipo de resumo e um trabalho conclusivo, como quis o artista.

Gosto muito de pensar no tempo implicado na sua execução e nos refinamentos que os 20 anos permitiram dar a esta obra- enquanto se pensava que Duchamp havia desistido de fazer arte e usava todo seu tempo apenas para jogar xadrez....


(fotos eduardo verderame)